BUDDHADEVA BOSE é considerado um
dos grandes escritores bengali do século passado. Nasceu em Comilla, Bengala,
em 1908. Sendo um importante representante do movimento modernista de Bengala,
escreveu obras em diversos gêneros e foi influenciado por escritores
ocidentais, principalmente escritores ingleses como Rilke e Baudelaire. Meu
tipo de garota é um dos livros mais importantes do poeta, romancista e
tradutor Bose. A obra, publicada originalmente em 1951, se subdivide em quatro
histórias que, ainda que interligadas pelo tempo presente, podem ser lidas
separadamente como um conto.
A história começa com quatro passageiros
que não se conhecem e dividem a desconfortável sala de espera da estação de
Tundla, na Índia. Enquanto aguardam a ferrovia voltar ao funcionamento depois
de um descarrilamento de trens, as narrativas variam de acordo com cada
protagonista: um escritor, um médico, um burocrata e um empresário, vêm uma cena
que os transporta, cada um, a suas lembranças: um casal apaixonado.
"E,
sob o escrutínio daqueles quatro pares de olhos, os que tinham feito a porta se
abrir ali se detiveram. Era um casal. O rapaz segurava a porta entreaberta; não
estava bem visível, mas havia indícios de um rosto, a pele avermelhada de frio,
um pulôver marrom tricotado à mão e uma calça de tecido barato. A seu lado uma
moça ― quase se aninhando a ele, ainda mais obscurecida. Mal se podia vê-la:
apenas um lampejo de cabelo negro, uma orgulhosa risca escarlate no meio da
testa, indicando ser casada, o pescoço suave e jovem, a luz branca lhe batendo
de lado no rosto. Os dois pararam ali por apenas alguns momentos, disseram
alguma coisa baixinho, viraram-se e se foram ... Sem dúvida eram recém-casados,
talvez de alguns meses, talvez um ano, mas estavam perdidos ― ainda ― em seu
amor um pelo outro. Aquela leve pausa à porta; as palavras suaves trocadas, ou
talvez não trocadas, depois a retirada; com tudo isso deixaram bem claro aos
quatro homens de meia-idade que ainda eram habitantes do paraíso, que enquanto
tivessem um ao outro não queriam mais nada, mais ninguém".(BOSE, 2010)
Pela
maneira como foi elaborado, este trecho é quase um poema, sendo clara a
influencia da poesia nos seus romances. A estrutura da obra se divide pelo
número de histórias relatadas, sendo que os relatos têm em comum os
personagens, que mesmo "vindos de diferentes nichos da sociedade",
são homens de meados do século passado que conversam sobre mulheres e sobre o
amor. Os valores morais são masculinos, o foco narrativo também. Mas a doçura
dos relatos, muito feminina, é por isso mesmo cativante.
Nas
histórias as mulheres são idealizadas e almejadas. Devido à rigidez imposta na
sociedade indiana para com as mulheres, rigidez essa que abrange comportamento,
vestimenta e a maneira de falar, os homens esperam atitudes de recato e pudor,
preferindo a contemplação de um amor “singelo” e pudico.
Dessa
forma os personagens femininos de Bose (1951) nos remetem as mulheres balzaquianas
e os personagens masculinos são extremamente românticos e respeitadores.
Na
Índia a mulher é doutrinada a ter um comportamento comedido, submisso (ao
homem, ao esposo, conseqüentemente à sogra) e de pilar moral da família. Cabe a
ela a manutenção da família, sendo por qualquer desvio culpada, como é o caso
da esterilidade do casal, que é considerada um castigo divino. (SOARES, 2011)
Os
valores morais da sociedade indiana se manifestam nos relatos, como o casamento
por conveniência e a impossibilidade de viver com a mulher que se deseja. Como
em outras culturas, a cultura indiana também tem o seu estereótipo de beleza.
Quanto mais clara for a cor da pele, mas a pessoa é considerada bela. A
sociedade indiana se divide em castas, sendo que a cor da pele se define como
seu padrão de classificação².
Em três das quatro histórias o
“mocinho” não fica com a “mocinha”. A tradicional instituição do casamento
arranjado por razões financeiras, quase sempre administra todos os afetos, sem
réplica ou questionamento. Valores morais e culturais milenares impediram o
empreiteiro, o burocrata e o escritor de ficarem com a mulher amada. Sendo
que na única história em que o personagem se casou, o médico ficou com uma
mulher com quem viveu "perfeitamente feliz", Entretanto sentiu
duvidas acerca do genuíno amor da mulher, por ter sido ela anteriormente
apaixonada por seu amigo. E em nenhum momento a história sugeriu que ele de
fato a amava.
A beleza do amor está, mas no plano da
idealização subjetiva do que na realidade da ficção. Quando digo isso é por
perceber que mesmo que o personagem principal não fique com a sua amada, a
beleza do sentimento supera qualquer paixão física. Os personagens das quatro
histórias não demonstram sentimentos mesquinhos ou vis. O amor da juventude, o
apaixonado amigo que está sempre por perto, a hesitação de tomar uma atitude
que poderia ter acarretado um final diferente, talvez mais feliz, são
características dessas histórias, no entanto nenhum deles cometeu nenhum tipo
de pecado ou crime.
A
obra traz diversas características da cultura indiana, como a descrição do
casamento, a tinta vermelha na testa da mulher casada ou o respeito que se deve
ter com a mesma quando uma mulher casada adentra o recinto onde se encontra um
homem, este deve ficar de pé como forma de respeito.
As
pessoas vivem perceptivelmente em comunidade. Em nossa sociedade as pessoas são
mais individualistas, e mesmo vivendo em família, o comportamento individual é
valorizado. Na sociedade indiana os padrões de comportamento ditam a forma de
viver do indivíduo, pois a forma como os outros lhe vêm e a reação da sociedade
indiana a um comportamento inadequado é bastante rígida. Um indivíduo pode ser
condenado ao isolamento. No monólogo do escritor, o cuidado daqueles
garotos com Antara e sua família é de uma dedicação sem precedentes no
mundo ocidental.
O
Autor Buddhadeva Bose teve seu romance Raat bha're brishhti proibido
pelo governo sob a acusação de obscenidade. A obra Representava um triângulo
amoroso, e seu texto admitia o sexo a desempenhar um papel fundamental no
relacionamento humano.
De
qualquer maneira a literatura indiana tende a ser um solo fértil para repensar
criticamente as tradições, resgatando-as, atualizando-as e transformando-as. A
obra de Bose revela muito mais do que se percebe, pois por meio de sutilezas, o
autor transmite uma melancolia inerente a seus personagens, sobre uma nostalgia
das possibilidades que não se materializam.
Rodapé:
2 Embora a palavra "casta" tenha
sido introduzida pelos portugueses por volta do século XV dC, a principal
característica do sistema surgiu no final do período védico. Dois termos
antigos - "Varna" e "Jati" - são usados na Índia para
definir o sistema de castas. "Varna" quer dizer, literalmente
"de cor". Por volta de 600 aC, este tornou-se o padrão de
classificação da população na Índia. A pele clara dos arianos os distinguia dos
primeiros habitantes do país, que tinham a pele escura. O "Varna" é
uma divisão social hindu que divide em categorias a sociedade.
A
arte das artes.
Disponível em: http://artedartes.blogspot.com.br/2008/01/sistema-de-castas.html
Resenha por Rosaline Barreto Otero